Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Autores: Zoe Long, Jonn Axsen e Shelby Kitt
Título original: Public support for supply-focused transport policies: Vehicle emissions, low-carbon fuels, and ZEV sales standards in Canada and California
Localização da Intervenção: Canadá e Califórnia
Tamanho da Amostra: 2036 indivíduos
Setor: Economia do Transporte
Variável de Interesse Principal: Apoio popular
Tipo de Intervenção: Políticas de redução de emissões de GEEs
Metodologia: Logit
Resumo
Nos últimos anos, a adoção de carros elétricos surge como uma alternativa promissora para diminuir a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEEs). No entanto, a transição para veículos elétricos enfrenta obstáculos de infraestrutura, custos e adaptação, implicando em desafios para a sua adesão e aceitação de políticas de incentivo para o setor. Este estudo analisou o apoio público a três políticas de transporte para reduzir emissões no Canadá e na Califórnia. O estudo realizou um questionário com amostras representativas das regiões, medindo a conscientização sobre as políticas, a sua aprovação e sua relação com valores pessoais, entre outras características. Adicionalmente, verificou-se quais fatores afetam a popularidade das políticas por meio de análises de regressão. As evidências indicaram que a conscientização sobre as políticas foi baixa, mas o apoio a padrões de emissão e combustíveis limpos foi alto (60-80%), enquanto o apoio a metas de veículos elétricos foi menor (34-55%). Segundo os autores, o apoio às políticas está mais ligado a valores pessoais e confiança no governo local do que a fatores demográficos, sugerindo que políticas eficazes devem ser também socialmente aceitáveis.
A redução das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) tornou-se um desafio global. Os carros de pequeno porte desempenham um papel significativo nesse cenário, contribuindo com uma parcela relevante das emissões no setor de transporte (LONG; AXSEN; KITT, 2020). Para enfrentar esse problema, políticas públicas tem sido desenvolvidas em duas frentes: as voltadas para a oferta, que regulam fabricantes e fornecedores de veículos e combustíveis, e as direcionadas à demanda, que buscam influenciar o comportamento dos consumidores, como incentivos financeiros para veículos elétricos e investimentos em infraestrutura de recarga.
Entre as políticas de oferta, destacam-se três principais: (i) os padrões de emissão de veículos (VES), que exigem que fabricantes reduzam a intensidade média de emissões dos veículos vendidos; (ii) os padrões de combustíveis de baixo carbono (LCFS), que obrigam fornecedores a diminuir o teor de carbono dos combustíveis; e (iii) as metas de vendas de veículos zero emissão (ZEV), que determinam uma porcentagem mínima de veículos elétricos na frota vendida. Essas políticas são consideradas essenciais para alcançar metas de redução de emissões a longo prazo, como as estabelecidas para 2030 e 2050 (LEPITZKI; AXSEN, 2018).
No contexto internacional, países têm adotado diferentes abordagens para lidar com as emissões de carros leves. Muitas vezes, temendo a maior resistência pública, regulamentações sobre veículos e combustíveis são priorizadas em vez de políticas de precificação de carbono. A Califórnia e o Canadá são exemplos de regiões reconhecidas por seus esforços inovadores no combate às emissões do setor de transporte. A Califórnia é pioneira em padrões de combustíveis e metas de veículos elétricos, enquanto o Canadá apresenta uma variedade de experiências entre suas províncias, com algumas seguindo modelos semelhantes aos californianos.
A opinião pública desempenha um papel fundamental na implementação e durabilidade das políticas climáticas, já que a falta de apoio pode inviabilizar politicamente tais iniciativas. Nesse sentido, compreender a percepção pública sobre essas políticas é, portanto, essencial para garantir sua aceitação e sucesso.
A Califórnia é reconhecida como uma das regiões mais avançadas em políticas climáticas na América do Norte, especialmente no setor de transporte. Desde a década de 1970, o estado tem implementado regulamentações rigorosas para reduzir as emissões de GEEs, como o VES, o LCFS e a meta de vendas de ZEVs, sendo gerenciadas pela California Air Resources Board (CARB). O VES foi adaptado a partir das normas federais dos Estados Unidos, enquanto o LCFS e a meta de vendas de ZEVs foram medidas pioneiras, servindo como modelos para outras regiões. Além disso, a Califórnia adotou um sistema de cap-and-trade em 2013, que inclui distribuidores de combustíveis.
No Canadá, as políticas climáticas variam significativamente entre as províncias, com algumas seguindo o exemplo da Califórnia. Colúmbia Britânica e Quebec são as mais progressistas no país, implementando políticas como o LCFS e o meta de vendas de ZEVs. O Canadá também possui um VES federal alinhado com as normas dos Estados Unidos. Além disso, algumas províncias adotaram mecanismos de precificação de carbono, como a taxa de carbono na Colúmbia Britânica e o sistema de cap-and-trade em Quebec.
O apoio público às políticas climáticas é um fator determinante para sua implementação e sucesso. A conscientização sobre essas políticas é geralmente baixa, mas, quando informadas, as pessoas tendem a apoiar medidas como o VES e o LCFS (RHODES; AXSEN; JACCARD, 2014). Em contraste, políticas baseadas em precificação de carbono, como taxas sobre combustíveis, enfrentam maior resistência. O apoio a políticas focadas na oferta, como o VES e o LCFS, costuma ser significativamente maior do que o apoio a políticas de preço, como taxas de carbono.
O estudo utiliza uma estrutura conceitual composta por cinco categorias de variáveis explicativas para analisar o apoio a políticas climáticas: (i) construtos psicológicos, (ii) confiança em atores e instituições, (iii) contexto, (iv) características demográficas, e (v) região de residência. Essa abordagem amplia o modelo Atitude-Comportamento-Contexto (Attitude-Behavior-Context – ABC), incorporando fatores como a confiança em instituições e a influência da região onde os indivíduos vivem.
A primeira categoria, construtos psicológicos, abrange valores, preocupação ambiental e preocupação com as mudanças climáticas. Valores altruísticos e biocêntricos estão associados a maior apoio a políticas climáticas, enquanto valores tradicionais e egoístas tendem a reduzir esse apoio. A preocupação com o meio ambiente e as mudanças climáticas também está fortemente ligada ao suporte a medidas como o LCFS e a taxação de carbono, conforme observado em pesquisas realizadas em diversos países (LONG; AXSEN; KITT, 2020).
A segunda categoria analisa a confiança em atores e instituições. Indivíduos que confiam mais no governo e em instituições responsáveis por políticas climáticas tendem a apoiar mais essas medidas. Por outro lado, a confiança em empresas de petróleo e gás está associada a menor apoio a políticas ambientais (RHODES; AXSEN; JACCARD, 2014). A confiança na CARB, por exemplo, é um fator relevante para os seus residentes.
A terceira categoria, características contextuais, inclui fatores como posse de veículos, uso de carro para deslocamentos e residência em áreas rurais. Em geral, possuir mais veículos ou depender do carro para o transporte diário está associado a menor apoio a políticas como o LCFS e a taxação de carbono. Residentes de áreas rurais também tendem a ser menos favoráveis a essas medidas.
A quarta categoria aborda características demográficas, como idade, renda, educação e gênero. Jovens, indivíduos com maior renda e escolaridade, e mulheres geralmente demonstram maior apoio a políticas climáticas. Esses padrões são consistentes em diversos estudos, indicando que fatores demográficos desempenham um papel importante na formação de opiniões sobre políticas ambientais.
Por fim, a quinta categoria considera a região de residência. Em áreas dependentes de indústrias intensivas em carbono, como Alberta, o apoio a políticas climáticas tende a ser menor. Por outro lado, regiões que já implementaram políticas ambientais, como Quebec e Colúmbia Britânica, apresentam maior suporte a essas medidas. Diferenças regionais também podem ser explicadas por variações na confiança no governo e na preocupação com as mudanças climáticas.
O estudo utilizou um questionário online de 25 minutos, aplicado em abril de 2019, com amostras representativas de cidadãos canadenses e californianos com 19 anos ou mais. Os participantes foram recrutados por uma empresa de pesquisa de mercado e receberam um incentivo financeiro pela conclusão. O questionário foi projetado para coletar dados sobre a conscientização e o apoio a políticas climáticas, além de características pessoais dos respondentes. A amostra final incluiu 2.036 respostas completas, com representatividade equilibrada em termos demográficos, embora com leve sobre-representação de indivíduos com maior escolaridade e renda média.
O questionário foi dividido em quatro seções principais. A primeira avaliou a conscientização sobre políticas climáticas por meio de perguntas abertas e de múltipla escolha. A segunda mediu o nível de apoio a versões moderadas e fortes das políticas, utilizando uma escala de cinco pontos. A terceira seção avaliou a confiança em atores e instituições, com uma escala de quatro pontos. Por fim, a quarta seção coletou características dos respondentes, como valores, preocupação ambiental e demográficos.
Para a análise dos dados, foram utilizados métodos estatísticos descritivos e modelos de regressão logística ordenada (Logit ordenado). Inicialmente, foram calculadas proporções de conscientização e apoio às políticas, com intervalos de confiança de 95% para comparar diferenças entre regiões. Em seguida, os modelos de regressão exploraram fatores associados ao apoio às políticas, utilizando variáveis independentes como valores psicológicos, confiança em instituições, características contextuais e demográficas.
A análise também incluiu a estimativa de efeitos de interação entre variáveis, como região e preocupação com mudanças climáticas, para explorar diferenças regionais no apoio às políticas. As variáveis de resultado foram organizadas para identificar padrões significativos e comparar o apoio a diferentes políticas, como o VES, o LCFS, as metas de vendas de ZEVs e a taxação de carbono.
A coleta de dados do questionário revelaram que a conscientização sobre políticas climáticas focadas na oferta, como o VES, o LCFS e o ZEV, é baixa em todas as regiões analisadas. Menos de 5% dos respondentes mencionaram essas políticas em perguntas abertas. Contudo, considerando as respostas para as perguntas de múltipla escolha, a conscientização foi maior, variando de 33% a 53% para o VES, 19% a 38% para o LCFS e 6% a 17% para as metas de vendas de ZEVs. A conscientização sobre a taxação de carbono foi significativamente maior em regiões onde essa política já estava em vigor, com até 87% dos respondentes identificando-a corretamente. Em contraste, a conscientização sobre sistemas de cap-and-trade foi menor, mesmo em regiões como Quebec e Califórnia, onde essas políticas foram implementadas.
O apoio às políticas focadas na oferta foi consistentemente maior do que o apoio à taxação de carbono. O VES e o LCFS tiveram os maiores níveis de apoio, variando de 54% a 78% para versões fortes dessas políticas, enquanto o apoio às metas de vendas de ZEVs foi menor, variando de 34% a 55%. A taxação de carbono teve o menor apoio, com apenas 22% a 30% dos respondentes apoiando uma versão forte. Regionalmente, Quebec, Ontário e Colúmbia Britânica mostraram maior apoio às políticas, enquanto Alberta e Califórnia apresentaram níveis ligeiramente menores. A oposição à taxação de carbono foi a mais alta entre todas as políticas, variando de 42% a 65%.
Os resultados dos modelos de Logit revelaram que o apoio às políticas está fortemente associado a valores altruístas e biocêntricos, preocupação ambiental e climática, e confiança no governo federal. Por outro lado, valores tradicionais e egoístas, além da confiança em empresas de petróleo e gás, estão associados a menor apoio. Características demográficas, como maior renda e escolaridade, aumentaram o apoio geral às políticas. Em sentido oposto, fatores contextuais, como o uso de veículos pessoais para deslocamentos, reduziram o apoio à taxação de carbono.
Interações regionais mostraram que a confiança no governo subnacional (estadual ou provincial) desempenha um papel importante no apoio às políticas, especialmente na Califórnia e no Quebec. Na Califórnia, a confiança no governo estadual e na CARB foi positivamente associada ao apoio a todas as políticas, enquanto a confiança no governo federal teve uma associação menos positiva ou negativa. No Quebec, a confiança no governo provincial foi um fator significativo para o apoio à adoção de meta de vendas de ZEVs. Essas interações destacam a importância da confiança nas instituições locais para o suporte a políticas climáticas.
Neste artigo, os autores investigaram a conscientização e o apoio do público a políticas climáticas focadas na oferta associadas à veículos leves, além de compará-las com a taxação de carbono. Os resultados indicaram que a conscientização sobre essas políticas é geralmente baixa, mas o apoio ao VES e ao LCFS é alto, enquanto o apoio às metas de venda de ZEVs é proporcionalmente menor. Entre todas as polítiacs analisadas, a taxação de carbono teve a menor aprovação. Além disso, valores altruístas, preocupação ambiental e confiança no governo foram os fatores mais associados à aprovação dessas políticas.
Os autores destacam que, dada a maior aceitação de políticas focadas na oferta em comparação com a taxação de carbono, estratégias que priorizem regulamentações diretas sobre veículos e combustíveis podem ser mais eficazes para alcançar metas de redução de emissões. Além disso, a importância da confiança no governo local, especialmente em regiões como Califórnia e Quebec, sugere que o engajamento com instituições subnacionais é essencial para o sucesso dessas políticas. Essas evidências ajudam a compreender os fatores que influenciam o apoio público a políticas climáticas, auxiliando na orientação da implementação de medidas climáticas mais aceitas e duradouras.
Referências
LEPITZKI, J.; AXSEN, J. The role of a low carbon fuel standard in achieving long-term GHG reduction targets. Energy Policy, v. 119, p. 423–440, ago. 2018.
LONG, Z.; AXSEN, J.; KITT, S. Public support for supply-focused transport policies: Vehicle emissions, low-carbon fuels, and ZEV sales standards in Canada and California. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 141, p. 98–115, nov. 2020.
RHODES, E.; AXSEN, J.; JACCARD, M. Does effective climate policy require well-informed citizen support? Global Environmental Change, v. 29, p. 92–104, nov. 2014.