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ECONOMIA E GESTÃO.

COMO A DIGITALIZAÇÃO DE FIRMAS AFETA O MERCADO DE TRABALHO DE PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO?

20 jun 2025

Pesquisador responsável: Bruno Benevit

Autores: Alan Finkelstein Shapiro e Federico S. Mandelman

Título original: Digital adoption, automation, and labor markets in developing countries

Localização da Intervenção: Países em desenvolvimento

Tamanho da Amostra: 134 países

Setor: Economia do Trabalho

Variável de Interesse Principal: Taxa de trabalho autônomo

Tipo de Intervenção: Digitalização

Metodologia: OLS, Modelo estrutural

Resumo

A digitalização tem o potencial de induzir a automação nos processos produtivos. Esse fenômeno pode afetar os retornos e as estruturas de mercado em países em desenvolvimento. Nesse sentido, este estudo analisou a relação entre a adoção de ferramentas digitais e as modalidades de emprego utilizando dados de diversos países em desenvolvimento e apresentando um modelo estrutural. Os resultados revelaram uma forte relação negativa entre adoção digital e taxas de trabalho autônomo, mesmo após controlar por fatores como nível de desenvolvimento. Não foram identificadas ligações significativas com taxas de desemprego. Adicionalmente, os resultados do modelo estrutural revelaram que custos de adoção tecnológica e entrada de empresas assalariadas são fundamentais para explicar essa relação.

  1. Problema de Política

Empresas vêm incorporando tecnologias digitais que impulsionam a automação e transformam os processos produtivos. A implementação de sistemas informatizados e equipamentos modernos substitui tarefas manuais, alterando a organização interna e a forma de execução das atividades. Essa mudança afeta a própria estrutura dos postos de trabalho ao revisitar as funções e as competências exigidas dos profissionais. A intensificação do uso de tecnologias digitais permite a otimização das operações e a redução de custos operacionais, o que se reflete em ajustes nos métodos de produção e na distribuição dos papéis desempenhados pelos trabalhadores no ambiente corporativo.

O avanço da digitalização e da automação gera uma reconfiguração no mercado de trabalho. Com a adoção de novas tecnologias, observa-se uma tendência de deslocamento dos trabalhadores de atividades autônomas para vínculos formais com as empresas. A modernização dos processos facilita a criação de negócios organizados e a formalização de empresas, ao mesmo tempo em que reduz os obstáculos para o ingresso no mercado. Essa dinâmica altera os padrões de contratação, exigindo dos profissionais a atualização de habilidades e o desenvolvimento de competências adaptadas aos novos modelos operacionais que recorrem cada vez mais ao uso intensivo de recursos digitais.

Em países em desenvolvimento, observam-se evidências de que a adoção digital pelas empresas está associada a uma diminuição expressiva dos índices de trabalho autônomo, ao mesmo tempo em que favorece a emergência de negócios formais (Shapiro e Mandelman, 2021). Nesses contextos, onde o trabalho autônomo representa uma parcela significativa da força de trabalho, a implantação de tecnologias digitais pode contribuir para a reestruturação do mercado e incentiva a criação de firmas com processos mais organizados. Essa relação reforça a importância de aprofundar a compreensão dos impactos da transformação digital, possibilitando a identificação de ajustes na configuração das oportunidades profissionais e nos padrões laborais.

  1. Digitalização no contexto dos países em desenvolvimento

Para compreender o panorama da digitalização, os autores consideraram dados do World Bank World Development Report 2016 para observar padrões entre a adoção digital e tendências no mercado de trabalho. Especificamente, observou-se dados do índice Business Digital Adoption Index (BDAI) de 180 países nos anos de 2014 e 2016, o qual integra medidas referentes ao número de servidores seguros, à velocidade de download, à cobertura 3G e à existência de websites das empresas. Adicionalmente, considerou-se o Government Digital Adoption Index (GDAI) para observar a digitalização governamental. Essas métricas revelam o grau de incorporação de tecnologias digitais nas organizações e permite mensurar a intensidade da digitalização no setor privado.

Apesar de não fornecer informações qualitativas sobre o tipo de tecnologia adotada, o BDAI fornece uma proxy para compreender o fenômeno da digitalização no mercado de trabalho. Ao comparar a métrica do BDAI com o GDAI, observou-se uma correlação positiva e significativa de 0,56. Referente à correlação com os custos de criação de novas firmas, verificou-se uma relação significativa em sentido oposto de – 0,39. Ambas as relações sugerem que a adoção digital pelo governo tem uma associação positiva com a adoção digital pelas empresas, contribuindo para a redução das barreiras de entrada de novas firmas

Adicionalmente, o estudo também checou a relação entre o índice BDAI de 2016 para países em desenvolvimento com as seguintes variáveis: (i) o custo de criação de um negócio;
(ii) a densidade de novas empresas; (iii) a taxa de trabalho autônomo; e (iv) a taxa de desemprego. De maneira geral, observou-se os seguintes fatos estilizados:

  1. Uma relação negativa forte e significativa entre a adoção digital pelas empresas e o custo de criação de negócios;
  2. Uma relação positiva forte e significativa entre a adoção digital pelas empresas e a densidade de novas firmas assalariadas;
  3. Uma relação negativa forte e significativa entre a adoção digital pelas empresas e a taxa de trabalho autônomo;
  4. Uma relação positiva moderada, mas estatisticamente fraca, entre a adoção digital pelas empresas e a taxa de desemprego.
  1. Relação entre digitalização e emprego

Para avaliar como a adoção digital pelas empresas e está ligada ao emprego, os autores analisaram como índice BDAI se relaciona às taxas de desemprego e de trabalho autônomo. Para tal, estimou-se essa relação a partir de modelos de mínimos quadrados ordinários (OLS), sendo consideradas diversas variáveis que podem influenciar essa dinâmica. A análise incluiu o nível de desenvolvimento econômico, medido pelo PIB per capita, a participação dos setores industrial e de serviços na composição do emprego e informações sobre regulamentações trabalhistas.

Os resultados indicaram que o aumento do BDAI mantém uma relação negativa significativa com as taxas de trabalho autônomo. Isso sugere que a digitalização das empresas contribui para a redução da proporção de trabalhadores que operam de forma independente. O efeito persiste ao considerar diferenças na composição setorial do emprego e na presença de regulamentações laborais, reforçando a ideia de que a adoção de tecnologias digitais está diretamente associada a uma transformação na estrutura do trabalho.

Em contraste, ao avaliar a relação entre adoção digital e desemprego, não foi encontrada uma associação expressiva entre essas variáveis. Mesmo ao controlar fatores como PIB per capita, composição setorial do emprego e regulamentações trabalhistas, os resultados indicam que a digitalização empresarial não exerce um impacto relevante sobre os índices de desemprego. Esse achado sugere que, embora a adoção de tecnologias digitais altere a forma como os trabalhadores são absorvidos pelo mercado, ela ocorre sem mudanças substanciais nas taxas de desocupação. Assim, outros fatores podem ser mais determinantes na variação do desemprego, destacando a necessidade de investigações adicionais sobre os mecanismos que influenciam essa variável.

  1. Modelo estrutural

O estudo apresentou um modelo estrutural para entender como a adoção de tecnologias digitais afetava o funcionamento do mercado de trabalho em países em desenvolvimento. Para a utilização do modelo, foram considerados os dados do BDAI para o ano de 2016. A economia foi definida de forma que a produção agregada resultava da interação entre diversos tipos de atividades produtivas e a participação de agentes como empresas e famílias. Essa abordagem considerou que as escolhas empresariais e das famílias determinavam o equilíbrio entre oferta e demanda do mercado de trabalho. A ideia central foi analisar as transformações que ocorriam quando as firmas introduziam tecnologias digitais e como isso influenciava nos padrões de emprego estabelecidos.

O modelo considerou a produção total como um arranjo em que a produção formal e a produção oriunda do trabalho autônomo foram reunidas por uma função agregadora única das produções das firmas. A estrutura das empresas assalariadas foi dividida de acordo com a produtividade e a capacidade para investir em tecnologia digital. Nesse sentido, aqueles que alcançaram um patamar elevado incorporariam capital digital e mão de obra especializada, enquanto as demais manteriam métodos tradicionais, explicando como essa diferenciação configurou a organização interna e o processo produtivo.

Com relação à inserção dos trabalhadores no mercado, o modelo considera que as famílias optaram por buscar empregos formais em empresas ou por empreender através do trabalho autônomo, tendo considerado os custos e vantagens de cada alternativa. Paralelamente, incorporou-se os processos de busca e emparelhamento que reuniram profissionais e vagas disponíveis, de forma que os encontros entre oferta e demanda de mão de obra se constituíram por meio de negociações salariais. Tal abordagem estabeleceu como os custos de participação e as condições de mercado influenciaram a fixação dos salários.

  1. Principais Resultados

Os resultados revelaram que, de acordo com os parâmetros estimados no modelo, o aumento no uso de tecnologias digitais implicou em uma diminuição dos custos de adoção digital. Assim, isso promoveu uma redução nas barreiras para a entrada de novas firmas, afetando a estrutura do mercado. Observou-se que, quando os custos de entrada caíram, ocorreu uma expansão no número de empresas assalariadas.

Como consequência, isso levou a uma considerável baixa na taxa de trabalho autônomo. Os mecanismos simulados no modelo indicaram que a transição dos trabalhadores de atividades autônomas para empregos formais se intensificou em cenários com custos de entrada reduzidos. Dessa forma, comprovaram a relevância dos custos iniciais para explicar as mudanças na composição do emprego.

O modelo também revelou que, apesar das notáveis alterações na estrutura do emprego, os índices de desemprego permaneceram praticamente inalterados. Os autores constataram que o rearranjo dos trabalhadores, ao migrar do trabalho autônomo para o emprego assalariado, ocorreu de modo a equilibrar a oferta e a demanda por mão de obra. Essa estabilidade na taxa de desemprego foi explicada pelo fato de que a modernização tecnológica e a diminuição dos obstáculos para a criação de firmas levaram a uma redistribuição dos trabalhadores sem acentuar a desocupação.

De acordo com os autores, os mecanismos apontaram que a transformação promovida pela digitalização alterou qualitativamente a estrutura do mercado sem impactar significativamente o desemprego. Além disso, os experimentos realizados com o modelo confirmaram que os resultados se mantiveram mesmo quando os parâmetros foram ajustados e diferentes cenários foram explorados. Os testes demonstraram a robustez dos mecanismos que levaram à redução do trabalho autônomo e ao aumento na criação de empresas assalariadas, evidenciando a importância das barreiras de entrada na dinâmica do mercado de trabalho. Essa análise mostrou que, independentemente das variações nas condições impostas, os efeitos da adoção digital se apresentaram de forma consistente com os dados empíricos, confirmando que a transformação tecnológica desempenhou um papel central na reconfiguração das oportunidades de emprego.

  1. Lições de Política Pública

Neste artigo, os autores conduziram diversas abordagens empíricas para identificar como a adoção digital pelas empresas alterou as dinâmicas do mercado de trabalho em países em desenvolvimento. Para tal, investigou-se como a modernização dos processos produtivos se relaciona com os custos de entrada para novas firmas e com a transição dos trabalhadores do setor autônomo para empregos formais.

Os resultados indicaram que o maior uso de tecnologias digitais se associou à redução das barreiras para a criação de empresas formais e à reorganização das alternativas de inserção no mercado. Adicionalmente, as evidências revelaram que essas mudanças derivaram de ajustes nos custos de adoção tecnológica, os quais influenciaram a estrutura produtiva e os padrões de emprego observados.

As evidências desse artigo ajudaram a identificar fatores relacionados à transformação das estruturas laborais, subsidiando os formuladores de políticas públicas com informações úteis para promover ambientes que favorecessem a inovação e a formalização do emprego. Os autores ressaltaram que a implementação de políticas que incentivem o acesso facilitado à tecnologia digital e a reestruturação dos mecanismos de contratação tem o potencial de melhorar a oferta de empregos formais. Dessa forma, as iniciativas voltadas à digitalização modificaram as oportunidades de trabalho e oferecem informações relevantes para o desenvolvimento de estratégias de promoção de um crescimento econômico sustentável.

Referências

Shapiro, A.F., Mandelman, F.S., 2021. Digital adoption, automation, and labor markets in developing countries. Journal of Development Economics 151, 102656. https://doi.org/10.1016/j.jdeveco.2021.102656