Pesquisador responsável: Bruno Benevit
Autores: Anupriya, Daniel J. Graham, Daniel Hôrcher, Richard J. Anderson e Prateek Bansal
Título original: Quantifying the ex-post causal impact of differential pricing on commuter trip scheduling in Hong Kong
Localização da Intervenção: Hong Kong
Tamanho da Amostra: 1.720.976 viagens
Setor: Economia do Transporte
Variável de Interesse Principal: Horário de viagem
Tipo de Intervenção: Discriminação de preços
Metodologia: DID
Resumo
Com o crescimento populacional e a expansão urbana, o excesso de passageiros e a falta de infraestrutura adequada têm agravado os problemas de lotação e atrasos nos sistemas de transporte público atualmente. Nesse sentido, este estudo verificou o impacto da precificação diferenciada sobre o horário das viagens de passageiros recorrentes no Mass Transit Railway (MTR) em Hong Kong. Através do método de diferença em diferenças, o estudo identificou efeitos modestos da intervenção de precificação nos horários de partida dos passageiros, com uma tendência de viagens mais antecipadas. Os resultados empíricos sugerem que tarifas e níveis de lotação são os principais fatores que influenciam a resposta dos passageiros à política.
O congestionamento nos sistemas de transporte público é um desafio crescente em áreas urbanas, impactando diretamente a qualidade do serviço e a eficiência dos deslocamentos diários. Para mitigar esses problemas, políticas de incentivo por meio de precificação diferenciada têm sido adotadas como estratégias de gestão de demanda. Essas intervenções buscam influenciar o comportamento dos passageiros, seja regulando o volume agregado de viagens ou alterando a distribuição temporal dos deslocamentos.
Assim como em diversas regiões no mundo, o sistema de metrô Mass Transit Railway (MTR) de Hong Kong enfrenta esse desafio (ANUPRIYA et al., 2020). Para mitigar problemas de lotação, o MTR adotou a política Early Bird Discount (EBD), fornecendo incentivos de preços para viagens em período prévio ao horário de pico da manhã.
Diversos fatores influenciam a resposta dos passageiros a programas de incentivo tarifário. O custo da viagem é um dos principais mecanismos, com passageiros que realizam trajetos mais longos tendendo a ajustar seus horários para aproveitar descontos. A flexibilidade nos horários de trabalho também desempenha um papel relevante, já que indivíduos com agendas menos rígidas têm maior capacidade de adaptação. A redução da lotação nos horários fora de pico pode representar uma opção atrativa aos viajantes, pois oferece maior conforto e qualidade no serviço. Por fim, cabe destacar a existência de um efeito de consolidação a médio prazo, que sugere que os impactos agregados em mudanças nos hábitos de viagem tendem a aumentar com o passar do tempo.
Com o crescimento populacional e a concentração urbana, o excesso de passageiros e a falta de infraestrutura adequada têm agravado os problemas de lotação. Embora os efeitos das tarifas sobre a demanda agregada sejam amplamente estudados, ainda existem lacunas na literatura sobre como essas políticas afetam as decisões individuais de horários de viagem. Compreender esses impactos é essencial para o desenvolvimento de políticas mais eficazes, capazes de melhorar a gestão da demanda e a experiência dos usuários nos sistemas de transporte público.
Em 2014, o MTR em Hong Kong era o nono sistema de metrô mais movimentado do mundo, com uma demanda anual de 1,8 bilhão de viagens. Durante o horário de pico da manhã, a maioria das linhas operava em sua capacidade máxima. Para reduzir a lotação nesse período, o MTR implementou o EBD em setembro de 2014, oferecendo um desconto de 25% para passageiros que saíssem em 29 estações específicas entre 7h15 e 8h15.
Previamente a sua implementação, a operadora estimou que, diariamente, cerca de 105 mil usuários seriam beneficiados, com uma expectativa de que 5 a 7 mil passageiros deixariam de viajar no horário de pico. Além disso, projetou-se que 2,5% a 3,5% dos usuários mudariam seus horários de viagem, saindo do pico crítico entre 8h15 e 9h15.
Todas as estações da rede do MTR são equipadas com catracas. O MTR utiliza um sistema de cartões inteligentes que registra todas as viagens realizadas na rede. As tarifas são calculadas com base na distância percorrida, variando de HK$3,5 a HK$27,6 para a maioria das viagens, com custos adicionais para trajetos que cruzam o porto ou partem de estações próximas à fronteira.
O estudo utiliza dados de cartões inteligentes fornecidos pelo MTR de Hong Kong, um sistema fechado que registra todas as viagens realizadas na rede. A base de dados abrange milhões de viagens, permitindo a análise dos padrões de deslocamento e dos efeitos do EBD. Os dados incluem informações detalhadas sobre cada transação, como número do cartão, tipo de usuário (estudante, idoso, entre outros), data, horário, estações de origem e destino, saldo do cartão e valor da tarifa paga.
Para a análise, o período foi dividido em fases pré e pós-intervenção. A fase pré-intervenção incluiu dados de julho e outubro de 2013, enquanto a fase pós-intervenção abrangeu julho e outubro de 2014. Dado que o programa EBD foi implementado em setembro de 2014, outubro foi escolhido como o mês representativo do período pós-intervenção para verificar os efeitos de curto prazo da política. Segundo os autores, essa escolha se justifica pela literatura, que indica que o primeiro mês de implementação de políticas tarifárias costuma ser um período de transição, enquanto o período do segundo mês reflete melhor os ajustes nos hábitos de viagem.
Os grupos de tratamento e controle foram definidos com base nos padrões de viagem dos passageiros regulares, considerando aqueles que realizam viagens frequentes entre os mesmos pares de origem e destino em 80% dos dias úteis. O grupo de controle foi composto por viagens realizadas em julho de 2013 e 2014, enquanto o grupo de tratamento incluiu viagens de outubro de 2013 e 2014. Essa divisão permitiu comparar os padrões de viagem antes e após a implementação do EBD, garantindo que as diferenças observadas fossem atribuíveis à política tarifária.
O estudo adotou o método de diferença em diferenças (DID) para avaliar o impacto do EBD no comportamento dos passageiros. O método de DID requer a existência de tendências paralelas nas distribuições dos horários de chegada nos grupos de controle e tratamento no período pré-intervenção, suposição validada pelos autores. O DID foi aplicado tanto em nível agregado quanto desagregado. No nível desagregado, foram observados os pares de origem-destino (OD). A análise desagregada focou em identificar quais OD apresentaram mudanças significativas nos horários de chegada após a implementação do EBD, considerando a heterogeneidade nas respostas dos passageiros. Além disso, foram incluídos efeitos fixos específicos para cada passageiro no modelo, a fim de controlar heterogeneidades não observadas e aumentar a precisão das estimativas.
Adicionalmente, conduziu-se uma análise detalhada dos resultados desagregados do DID, investigando a distribuição dos efeitos significativos entre os pares OD. Foram considerados fatores como a proporção de viagens regulares em cada OD e a magnitude das mudanças nos horários de chegada. A análise espacial também foi realizada, mapeando a distribuição geográfica dos efeitos do EBD nos horários de chegada e partida. Para tal, focou-se em estações e linhas mais congestionadas. Essa abordagem permitiu avaliar se a política atingiu seu objetivo de reduzir a lotação nos trechos mais críticos da rede.
O estudo também explorou os fatores que influenciaram a resposta dos passageiros ao EBD, utilizando uma versão do modelo DID com efeitos heterogêneos. Foram incluídas variáveis como custo da viagem, horário médio de chegada pré-intervenção e níveis de lotação prévios, obtidos a partir dos dados de cartões inteligentes e de movimentação de trens. A análise buscou entender como essas características afetaram a disposição dos passageiros em ajustar seus horários de viagem.
Por fim, o trabalho conduz uma análise com ênfase em variáveis específicas, como o custo da viagem, a lotação média e a presença de trajetos que cruzam o porto de Hong Kong, que envolvem tarifas mais altas e maior lotação. Essas variáveis foram usadas para explicar a heterogeneidade nos efeitos do EBD, destacando como fatores como economia de custos e expectativas de redução de lotação influenciaram as decisões dos passageiros.
Os resultados do modelo de DID indicaram que o programa EBD teve um impacto estatisticamente significativo, porém pequeno. Os horários de chegada dos passageiros tiveram com uma diminuição média de aproximadamente 25 segundos. A análise desagregada revelou que 58,4% apresentaram alguma mudança significativa nos horários de chegada, enquanto que apenas 34,9% dos pares OD mostraram reduções significativas. Isso indica que o efeito do EBD foi heterogêneo, concentrando-se em uma parcela específica dos passageiros.
A análise detalhada dos resultados desagregados mostrou que os efeitos significativos do EBD não estavam limitados a pares OD com alta demanda. Muitos pares com menor volume de viagens também apresentaram mudanças relevantes, sugerindo que a insensibilidade ao EBD não estava diretamente ligada ao número de passageiros. Além disso, os maiores impactos foram observados em viagens com horários médios de chegada entre 8h10 e 8h40, indicando que a política foi mais eficaz no início do pico. Em sentido oposto, alguns passageiros adiaram suas viagens para o período de pico, possivelmente devido à expectativa de redução da lotação após a implementação do EBD.
Com relação aos fatores que influenciaram a resposta ao EBD, observou-se que o custo da viagem e os níveis de lotação prévios foram determinantes. Pares OD com custos mais altos e maior lotação apresentaram respostas mais positivas à política, com reduções maiores nos horários de chegada. Viagens que cruzavam o porto, que envolvem tarifas mais elevadas e maior lotação, tiveram uma redução média de 19 segundos a mais em comparação com outras viagens. Esses resultados sugerem que a economia de custos e a expectativa de menor lotação foram os principais motivadores para os passageiros ajustarem seus horários de viagem. A política mostrou-se mais eficaz em trechos mais congestionados, atingindo parcialmente seu objetivo de redistribuir a demanda.
Neste artigo, os autores conduziram análises empíricas para avaliar o impacto do programa EBD no comportamento de passageiros do metrô de Hong Kong, com foco na redistribuição da demanda durante o horário de pico. Os resultados indicaram que o EBD gerou uma redução pequena, porém significativa, nos horários de chegada, com uma média de 25 segundos. Especificamente, a análise desagregada mostrou que apenas um terço dos pares OD apresentaram reduções significativas. Além disso, os autores identificaram que fatores como custo da viagem, níveis de lotação e características específicas dos trajetos, como cruzamentos do porto, influenciaram a resposta dos passageiros à política.
As evidências deste estudo ajudam a compreender como políticas de incentivo tarifário podem afetar os padrões de viagem e a lotação no transporte público. Os resultados sugerem que intervenções como o EBD têm maior eficácia em trechos mais congestionados e para passageiros que valorizam a economia de custos e a redução da lotação. Essas informações são úteis para formuladores de políticas públicas, destacando a importância de considerar a heterogeneidade dos passageiros e as características específicas da rede de transporte no desenho de intervenções. A consolidação de políticas que reduzam a lotação e otimizem os horários de viagem pode contribuir para melhorar a eficiência e a qualidade dos sistemas de transporte urbano.
Referências
ANUPRIYA et al. Quantifying the ex-post causal impact of differential pricing on commuter trip scheduling in Hong Kong. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 141, p. 16–34, nov. 2020.